Imagine a seguinte situação: ao comprar um carro para seu filho, a mãe, que não possui habilitação, prefere registrar o veículo no seu nome. Em um momento em que o filho está dirigindo, uma infração é registrada via equipamento eletrônico (radar) por excesso de velocidade, ou seja, sem abordagem do agente de trânsito.
Neste exemplo se observa que não houve abordagem capaz de identificar quem realmente estava conduzindo o veículo. Assim, A Notificação desta Autuação tem duas funções: oferecer ciência da ocorrência da infração e oportunizar que o proprietário indique o real condutor.
A questão é que muitas vezes (muitas mesmo) essa Notificação da Autuação não encontra o proprietário do veículo, o que leva a Notificação por Edital. Sabidamente este tipo de notificação (por edital) cumpre apenas função formal, mas não é capaz de garantir a ciência do proprietário. Isso quer dizer que de fato o proprietário do veículo (a Mãe no nosso exemplo) não fica sabendo da ocorrência da autuação e por consequência deixa de indicar condutor.
Há também quem defenda que a indicação de condutor é uma faculdade do proprietário, que ao não fazê-lo deve arcar com os efeitos daquela infração, mas que jamais poderia gerar outra autuação derivada.
Ante a falta de indicação do real condutor alguns órgãos executivos de trânsito estaduais (DETRANs), presumem que era o proprietário que estava dirigindo. Mas, no nosso exemplo, o proprietário do carro, a mãe do condutor, não tem CNH. Assim, para alguns DETRANs, a proprietária do veículo deve ser autuada por Dirigir sem CNH e a autuação derivada é lavrada – algo muito sério.
Pode parecer estranho e até mesmo bizarro, mas este é o procedimento que alguns Estados brasileiros, como o Rio Grande do Sul, adotam nestes casos. Lavrar uma nova autuação em derivação de outra anterior, com base em cruzamento de informações disponíveis é um hábito adotado por alguns órgãos estaduais de trânsito, mas sem previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o que tem gerado inúmeras discussões.
O artigo 280 do CTB, em seu parágrafo segundo, determina apenas duas modalidades de autuação: flagrante por agente de trânsito ou por equipamento eletrônico (radar, etc…) aferido pelo INMETRO.
Ou seja, nosso entendimento é de que uma infração de trânsito somente pode ser lavrada quando houver flagrante da infração indicada por agente de trânsito ou por equipamento eletrônico. No exemplo, o equipamento eletrônico apenas flagrou a infração por excesso de velocidade, mas não quem estava dirigindo. Também não houve abordagem por agente de trânsito. Logo a autuação derivada, de dirigir sem CNH, lançada contra a mãe do real condutor não possui previsão legal, sendo indevida.
Algumas resoluções do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), como a 619/16, possibilitam o procedimento da autuação derivada, mas entendemos que a resolução é um ato normativo de um conselho e que isso não poderia criar uma nova modalidade de autuação ao ponto de alterar o comando previsto na Lei (art. 280, parágrafo 2º do CTB).
No Rio Grande do Sul, o poder judiciário vem discutindo o tema buscando uma uniformização do entendimento através de um Incidente de Uniformização de Jurisprudência, que em votação apertada (6 votos x 5 votos), ainda não chegou à uniformização do entendimento, ou seja, a referida decisão não pode normatizar a matéria de modo que seja aplicado a todos os casos em discussão.
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